“O Senhor Deus tomou o Homem e o colocou no jardim de Éden, para o cultivar e guardar” (Gn 2,15).
A Conferência das Nações Unidas Rio +20, sobre o desenvolvimento sustentável, acolhida pelo Brasil neste mês de junho, carrega consigo a irrenunciável responsabilidade de responder aos anseios e expectativas mundiais em relação à defesa e promoção de toda forma de vida, especialmente a humana, desde sua concepção até seu término natural.
A crise econômica, financeira e social por que passam as grandes potências da economia mundial, com graves consequências para as nações emergentes, emoldura a Rio +20. Considerada, por causa de sua profundidade e alcance, como uma crise de civilização, esta crise “interpela todos, pessoas e povos, a um profundo discernimento dos princípios e dos valores culturais e morais que estão na base da convivência social”. Entre suas múltiplas causas está “um liberalismo econômico sem regras e incontrolado” (Nota do Pontifício Conselho Justiça e Paz sobre o sistema financeiro).
É urgente repensar nossa relação com a natureza, que “nos precede, tendo-nos sido dada por Deus como ambiente de vida” e está à nossa disposição “não como um lixo espalhado ao acaso, mas como um dom do Criador” (Bento XVI – Caritas in Veritate, n. 48). Se, por um lado, como nos recorda o papa Bento XVI, é “lícito ao homem exercer um governo responsável sobre a natureza para guardá-la, fazê-la frutificar e cultivá-la, inclusive com formas novas e tecnologias avançadas, para que possa acolher e alimentar condignamente a população que a habita”, por outro, é preciso que “a comunidade internacional e os diversos governos saibam contrastar, de maneira eficaz, as modalidades de utilização do ambiente que sejam danosas para o mesmo” (Bento XVI – Caritas in Veritate, n. 50).
Os bispos da América Latina e Caribe, reunidos em Aparecida em 2007, já denunciavam: “com muita frequência se subordina a preservação da natureza ao desenvolvimento econômico, com danos à biodiversidade, com o esgotamento das reservas de água e de outros recursos naturais, com a contaminação do ar e a mudança climática” (V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe – Documento de Aparecida n. 66).
O cuidado com a natureza e com a vida, que nela brota e dela depende, passa pelo reconhecimento de que é dever de todos, especialmente dos dirigentes das nações, garantir a estas e às futuras gerações a casa comum – o Planeta Terra – livre de toda destruição. Essa meta só se alcançará com a subordinação do desenvolvimento econômico à justiça social, no respeito à pessoa, à natureza e aos povos. Para tanto, é necessário que todos, especialmente os dirigentes mundiais, assumam com coragem e determinação, o compromisso de rever caminhos e decisões que, ao longo da história, só têm excluído e condenado os pobres à miséria e à morte. Para a erradicação da fome e da miséria, "não se trata de diminuir o número dos convidados para o banquete da vida, mas de aumentar a comida na mesa”, como já nos alertou o Papa Paulo VI (cf. Homilia de João Paulo II em Puebla, 1979).
A Cúpula dos Povos, organizada pela sociedade civil e realizada concomitantemente à Rio +20, tem a importante tarefa de reafirmar a responsabilidade dos dirigentes das nações pelas graves consequências de uma opção equivocada, ao subjugar o desenvolvimento econômico ao domínio do mercado e do lucro, desconsiderando tanto a natureza quanto a vida e a cultura dos povos.
A Igreja no Brasil, especialmente através da Campanha da Fraternidade, tem chamado constantemente a atenção para a destruição da natureza provocada por um desenvolvimento econômico predatório, alimentado por um sistema produtivo e um estilo de vida consumista, muitas vezes, também predatórios. As consequências são, dentre outras, o desmatamento, a contaminação e escassez da água e as mudanças climáticas. Os que mais sofrem os impactos de tudo isso são os pobres e excluídos.
É imperioso que nos eduquemos para relações novas e éticas com o meio ambiente. Esta é uma meta imprescindível da Rio +20, que não deve desviar-se de sua real e concreta finalidade.
A Rio +20 indica uma resposta a essas questões com a chamada Economia verde. Se esta, em alguma medida, significa a privatização e a mercantilização dos bens naturais, como a água, os solos, o ar, as energias e a biodiversidade, então ela é eticamente inaceitável. Não podemos nos contentar com uma roupagem nova para proteger o insaciável mercado, que só tem olhos para o lucro, configurando-se como “lobo em pele de cordeiro” ao manter inalteradas as causas estruturais da crise ambiental.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB espera que, da Rio +20, brote o compromisso de construção de um “modelo de desenvolvimento alternativo, integral e solidário, baseado em uma ética que inclua a responsabilidade por uma autêntica ecologia natural e humana, que se fundamenta no evangelho da justiça, da solidariedade e do destino universal dos bens e que supere a lógica utilitarista e individualista, que não submete os poderes econômicos e tecnológicos a critérios éticos” (V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe – Documento de Aparecida n. 474c).
Esse compromisso deve ser assumido por todos. Os cristãos, de modo especial, movidos pela solidariedade, que gera fraternidade e comunhão, são convocados a trabalhar pela preservação do meio ambiente e a colaborar na construção de uma sociedade justa, ecologicamente sustentável.
Que Deus, o Criador de todas as coisas, se digne abençoar seus filhos e filhas nesta nobre missão de “cultivar e guardar” a terra, lugar de vida para todos (cf. Gn 2,15).
Brasília, 19 de junho de 2012
Cardeal Raymundo Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida
Presidente da CNBB
Dom José Belisário da Silva
Arcebispo de São Luís do Maranhão
Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário Geral da CNBB