«Você crê que existe Deus? Muito bem! Só que também os demônios creem e tremem de medo! Você não sabe que a fé sem obras não tem valor?» (Tg 2,19-20). É com estas palavras que São Tiago exorta os cristãos de seu tempo a entenderem que, se não for praticada, a fé definha e morre inexoravelmente. O que sobra é um cadáver ambulante: «Do mesmo modo que o corpo sem espírito está morto, assim a fé sem obras se extingue» (Tg 2,26). É o que explica também o teólogo Roger Lenaers, em sua obra “Outro cristianismo é possível”. Algumas de suas páginas são contestatórias, talvez beirando à heresia. Outras, porém, têm lampejos que abrem horizontes e iluminam caminhos: «Quando alguém pergunta a outro se crê em Deus, quase sempre quer saber se o interlocutor pensa ou está convencido da existência de algo que se possa chamar de Deus, não importa a representação que faça da essência desse Deus. Em contrapartida, acreditar – dar crédito – evoca uma atitude de comunicação com um ser pessoal em quem se confia, e cuja proximidade ou presença dá sentido à vida».
Para explicitar o seu pensamento, ele se refere à fé dos demônios (cuja existência, porém, nega): «A fé que salva e liberta é a fé dinâmica, que irradia e muda a vida. Ela é que redime. Se existisse o demônio, não lhe custaria nada crer na existência de Deus. Ele seria muito mais crente que os agnósticos e os ateus... Porém, o mero fato de afirmá-lo, de nada lhe serviria, pois continuaria sendo o que é, apenas um demônio. Seu ato de fé não o transformaria num anjo. Na verdade, ser-lhe-ia impossível acreditar em Deus, pois, nesse caso, deixaria de ser demônio».
Existem, portanto, dois modelos de fé: a das pessoas que dizem crer, mas vivem à margem ou em oposição ao que lhes é ensinado pela religião que pensam professar: «Afirmam conhecer a Deus, mas o negam por suas ações» (Tt 1,16), explica São Paulo; e a fé de quem consegue transformá-la em vida, liberdade e amor, como esclarecia o mesmo Apóstolo: «A fé se realiza na caridade» (Gl 5,6). «Estes são os frutos daquele que vive a fé: vence o mal, toca o coração das pessoas, fica imune da contaminação do mundo e cura os doentes que estão em seu caminho» (Cf. Mc 16,16-18). Mas, nada disso acontece se o cristão não se mantém num “estado permanente de conversão”, assumindo a vida como serviço e missão. Foi o que lembrou o Papa Francisco em sua alocução ao povo no domingo, dia 23 de junho, ao se deter sobre a sentença de Jesus: «Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem a perder por causa de mim, a salvará» (Lc 9, 24).
«Pode-se perder a vida por Jesus de duas maneiras: explicitamente, confessando a fé e, implicitamente, defendendo a verdade. Os mártires são o melhor exemplo do que é perder a vida por Cristo. Em dois mil anos, há uma série imensa de homens e mulheres que sacrificaram a vida para permanecerem fiéis a Jesus e ao Evangelho. E hoje, em muitas partes do mundo, há uma multidão de mártires – mais do que nos primeiros séculos – que são levados à morte por não renegarem a Cristo. Mas há também o martírio cotidiano, que não comporta a morte: é cumprir o próprio dever com amor, seguindo a lógica da doação e do sacrifício de Jesus. Quantos pais colocam em prática a fé gastando a vida em prol da família! Quantos sacerdotes, religiosos e religiosas atuam generosamente no serviço do Reino de Deus! Quantos jovens renunciam a seus interesses para se dedicar às crianças, aos idosos, aos portadores de deficiência… Eles também são mártires: mártires do dia-a-dia!
E há ainda inúmeras outras pessoas, cristãs e não cristãs, que perdem a vida pela verdade. Se Cristo disse: “Eu sou a verdade”, quem serve à verdade, serve a Jesus. Quantos homens corretos preferem ir contracorrente para não renegarem à voz da consciência! Entre vocês, vejo muitos jovens. A eles, digo: não tenham medo de ir contracorrente quando lhes querem roubar a esperança, quando lhes propõem valores deteriorados! Eles são comida estragada que, quando consumida, nos faz mal. Jovens, sejam os primeiros a ir contracorrente! Tenham orgulho de ser contracorrente! Sejam corajosos! E assim como não queremos nos alimentar com comida estragada, não carreguemos conosco valores deteriorados, que prejudicam a vida e tiram a esperança!»
Dom Redovino Rizzardo
Bispo de Dourados (MS)
Sex, 12 de Julho de 2013 11:27 / Atualizado - Sex, 12 de Julho de 2013 11:29
por: cnbb